Gestão de Produtos: Startup vs Big Companies

horacioibrahim
9 min readJun 2, 2019

A definição mais popular de gestão de produto está resumida nas clássicas elipses de Martin Eriksson com os macro escopos 1. Estratégia, 2. UX (ou user/customer eXperience) e 3. Engenharia. Porém quando estamos inserido em um negócio já estabelecido que busca a eficiência pela repetição, com estruturas funcionais cada vez mais especializadas, percebe-se que operar um produto não cabe em 3 elipses.

Uma boa forma de ver o papel do gestor de produto é baseado no modelo utilizado no canvas por Alex Osterwalder com os 9 blocos que torna extremamente objetivo modelar um produto e perceber os pontos de contato de um Product Manager. No entanto, apesar das relações entre às partes de um negócio estarem bem representadas no modelo de Osterwalder não dá para desconsiderar a abordagem de Eriksson, pelo contrário, se focarmos mais em um facilmente perdemos a essência do outro e deixamos de entregar produtos memoráveis.

Neste texto compartilho aqui uma visão de gestão de produto pragmática, orientada a dados e fatos. E nessa experiência percebi que é importante levar em consideração tanto a visão do Martin Eriksson quanto o modelo de negócio do Alex Osterwalder e contextualizá-la com a realidade objetiva.

Modelo de negócio não é plano de negócio

Antes de começar vamos deixar claro que modelo de negócio baseado no conceito de Alex Osterwalder não é um plano de negócio, mas a “maquete” (modeling) mais próxima da realidade do negócio. É bem verdade que em sua tese de PhD ele cita dois modelos de negócios um abstrato com visão, metas e objetivos estratégicos e uma mais operacional. Consideremos aqui o mais operacional que está próximo da realidade de um Product Manager visto que seu papel é: “conduzir estrategicamente o desenvolvimento, lançamento, suporte e melhoria contínua dos produtos”.

A figura acima, segundo Osterwalder, representa o modelo conceitual de um negócio e tem utilidade para permitir o entendimento entre múltiplos atores de como a “empresa faz dinheiro”. Particularmente essa é a melhor visão para se entender, modelar e perceber se o plano de negócio está caminhando para o que estava planejado. O canvas representa uma série de imagens ou fotos do estado atual do negócio em busca de um futuro projetado, neste caso, o síndico desse modelo é o Product Manager, ele não toma as decisões sozinho, mas busca consolidar às necessidades em busca de um resultado ótimo distribuído.

UX na gestão de produto é mais que U

Já a experiência do usuário (do inglês user eXperience) que Martin Eriksson coloca como um dos campos de atuação do Product Manager é um aspecto indiscutível dentre às atividades e habilidades necessárias deste papel, principalmente, para os produtos digitais. Porém não é o único aspecto apenas o uso do produto em si como suas funcionalidades, mas todos os pontos de contatos, às experiências de compra, o relacionamento, pós-venda, às promessas e evidências, etc. Para mim é mais um CX (do inglês Customer eXperience) porque neste sentido percebo que fica mais claro o papel de uma boa definição da jornada do cliente.

Desta forma tomamos a liberdade de alterar UX para CX na representação do Eriksson, logo temos conforme representado na imagem a seguir.

Agora temos dois conceitos complementares em nossa visão pragmática de gestão de produtos que explicam segundo o Osterwalder “como a empresa faz dinheiro” e conforme o Eriksson “como a empresa faz produtos”.

Ao observar a imagem acima nos deparamos com uma coincidência (que obviamente não é) para os campos da Estratégia (business) e Engenharia com ICT (do inglês Information Communications and Technologies). No caso da engenharia e ICT nos remete a realidade de que todo negócio é um negócio de tecnologia ou envolve questões estratégicas que são respondidos por um conjunto de engenharia e tecnologia.

Consideramos então que esses dois aspectos estratégia e engenharia foram bem representados pelos autores e como são algo em comum faz total sentido mantê-los no escopo de uma gestão de produtos. Assim, apenas confirmando o que já sabemos operar um modelo de negócios é uma matéria claramente gerida por um gestor de produto.

Adicionalmente temos dois temas que foram simbolizados como tópico indispensável para observação dos gestores de produtos que são a Organização (composto por pessoas, estruturas e processos) e o Cliente.

Conforme a figura acima temos uma interconexão de escopos e uma interseção de papéis algo que tentei explicar representando por setas duplas e os círculos vermelhos. Ou seja, há mais coisas a fazer do que apenas cuidar para que a engenharia entregue produtos que endereçam às necessidades do clientes satisfazendo os interesses da organização. Esse algo a mais é indissociável de grandes empresas.

Por mais que empresas como Google, Facebook, dentre outras tentem querer ser startups o resto da vida elas lutam para que a estrutura não seja um fator impeditivo. Eu mesmo já me deparei com situações nessas empresas que chegamos a questionar se era uma empresa do vale do silício ou uma empresa pública. O fardo organizacional está em todos os grandes negócios.

Grandes empresas

Se você sair de um modelo startup para qualquer negócio com mais de 1.000 colaboradores (ou menos) irá enfrentar a organização. Isso nada mais é do que um modelo que busca constantemente ser mais eficiente fazendo mais com menos, porém nem sempre de modo eficaz.

O Product Manager precisa que os dois modelos movam-se bem tanto o trabalho especializado como o criativo. A inovação passa a ser o pior inimigo da especialização e os conflitos para entregar um produto competitivo começam a surgir. E mais, agora o Product Manager não está lidando apenas com a engenharia, como está representado por Martin Eriksson, mas com todas a unidade organizacionais.

A representação da realidade

É necessário dentro da estratégia de product manager nesses casos das grandes empresas pensar em uma abordagem para alcançar o sucesso do produto, mesmo diante dos modelos estabelecidos. Imagine agora que processos que funcionavam bem podem impactar no seu lead time lhe tirando a competitividade. A organização, pessoas, estruturas e processos (dos outros) virou agora o seu dia-a-dia.

Para entregar um produto memorável temos que manter a intuição como a definição Martin Eriksson e agir estrategicamente como Alex Osterwalder. Então construí essa representação conforme a figura a seguir para facilitar o exercício da gestão de produtos e difundir à outros gestores a “verdade inconveniente”.

Agora na parte mais à direita da figura acima temos uma intuição para endereçar às necessidades do mercado e do lado mais a esquerda a gestão da capacidade organizacional para produzir algo competitivo. Podemos, então, separar esse entendimento ao passar uma linha vertical e isso ficaria algo como a figura a seguir.

Parece que agora temos uma imagem que representa corretamente a mentalidade de um gestor de produto para grandes organizações. Isso funciona bem, pois mantém a importância de cada domínio e para um e-business faz total sentido manter Engenharia e ICT destacado da esfera da organização.

Tempo Fixo vs Continuum

Um dos gestores de produto que atua conosco chama o tempo fixo de “instante-já” uma referência a Clarice Lispector que simboliza algo do “aqui e agora”. Alguns gestores de produtos são visionários, acredito que por estudar continuamente o mercado de seu produto passa a ter intuições diferentes dos demais. Porém o “instante-já” é imprescindível e ele representa o que nós temos agora para “fazer dinheiro”, sendo possível ser descrito por um campo produtivo ou funcional ou de especialização (aquele que ficou incomodado com a inovação citada anteriormente).

Esse aspecto é importante para tirar o peso das entregas contínuas e identificar o que já foi realizado, o que pode ser vendido ou ser entregue. Pode ser o MVP, pode ser apenas uma de várias funcionalidades ou qualquer coisa que incremente valor no mercado.

O grande dilema é que a melhoria ou evolução desse tempo fixo não ocorre nele, mas em um tempo dinâmico o que podemos chamar naturalmente de continuum. Por exemplo, a modificação de uma documentação, evolução de funcionalidade, análises de forças internas e externas e todas às outras questões dinâmicas do produto e de mercado.

Para mim é difícil vivenciar o que não é dinâmico. Imagine que uma documentação deva ser corrigida após o diagnóstico dos eventos/inputs de falha que vieram do MVP (suposto tempo fixo). Ela poderia ser atualizada diante do evento de falha ou erro? Talvez sim, mas dependendo do tamanho da locomotiva a aprovação de uma redação não passa por quem escreveu. Por isso, haverá situações que será preciso pensar em tempo fixo e continuum onde o continuum deve ser sempre a meta do Product Manager e os tempos fixos podem ser uma entrega de incremento de valor dentro de uma release.

De qualquer forma para ajudar nesta intuição podemos pensar algo dividido na representação gráfica anterior, adicionando mais uma linha horizontal para dividir os aspectos de gestão que cabem ao tempo fixo e aqueles que são específicos do continuum. Essa abordagem ou pensamento irá sem dúvida ajudar a trabalhar dentro do domínio da organização mais facilmente no dia a dia do gestor de produtos, pois ela aceita os modelos de especialização mesmo que atuantes separadamente do produto. Eu penso nesse modelo como a linha de produção de um refrigerante onde em determinado tempo fixo passa Fanta e outro momento passará Coca-Cola, porém na mesma linha de produção. Assim, haverá uma estrutura em condições específicas para entregar cada um dos sabores em um tempo fixo. Obviamente isso é mais um escopo de produção e menos de produto, porém é parte do papel de um Product Manager.

Para melhor representar tais campos de atuação simbolizei em 4 quadrantes sendo Necessidade do Mercado, Capacidade Organizacional, Capacidade para Entregar (Instante-já) e Capacidade para Continuar Entregando. A proposta é que essa visão em quadrantes venha a contribuir no exercício da gestão de produto para o “onde” e “sobre qual” escopo às atividades e enfoque deve ser tratado ajudando a endereçar aspectos de sombra de papéis, priorização e o dia a dia das demandas.

Agora espero que esteja mais claro. Temos de um lado (direito) dois quadrantes que estão no escopo da gestão do produto (Product Manager) e representam claramente como a empresa faz produto que é endereçando às necessidades do mercado, por meio de alguma inovação e que satisfaça os interesses organizacionais. E do outro lado (Business Model) temos os aspectos da capacidade organizacional os quais são os atributos empresariais (estrutura, processos e pessoas) que permitirão a empresa fazer dinheiro, por exemplo, vendas, bilhetagem, faturamento, etc.

Algumas perguntas podem ser realizadas em cada quadrante para entender como funciona em seu negócio tais handoffs. Mas fica para um próximo texto. O que deixo de exemplo é a minha resolução para uma sobreposição comum de papéis entre Project Manager e Product Manager onde na minha opinião esses dois papéis podem atuar conjuntamente, mas como Project “não faz dinheiro” ele deveria está no escopo de como se faz produto onde um Product Manager solicita um escritório de projetos ou específica (se for possível) o produto.

Nessa visão o Project Manager dependendo do tamanho e característica do produto não faz o produto e sim funcionalidades do produto para o instante-já. Por exemplo, se seu produto for um Colocation e você precisará construir um novo data center faz total sentido colocar um project manager para entregar essa funcionalidade (multi data centers). No entanto, se a funcionalidade couber em um épico ou sprint não faz sentido iniciar um projeto.

A ideia desta visão é facilitar as atividades do gestor do produto e suas interações dentro da organização, principalmente, àquelas que são consideradas empresas de médio e grande porte que diferenciam do dia a dia de uma equipe enxuta ou de uma empresa que já nasceu com um DNA ágil. Essas empresas estão experimentando a gestão de produtos e podem passar por grandes dificuldades para entregar grandes produtos aos seus clientes, pois podem errar na posição deste papel e como o staff interage como os mesmos.

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Horacio Ibrahim lidera o Grupo de Gestão de Produtos de Infraestrutura (cloud) no Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) certificado como Product Manager pela AIPMM. Participa, executa e “apreende” com diversos negócios (startup) e no governo. Foi cofundador da Associação de Startups e Empreendedores Digitais em Brasília (ASTEPS).

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horacioibrahim

Chief Product Officer | Senior Product Manager | Senior Technical Product Manager